Fábrica Ocupada Flaskô

HISTÓRICO

Em 12 junho de 2013, os operários da Flaskô – fábrica situada em Sumaré, interior de São Paulo – ousaram tomar o controle da produção em suas mãos. A partir daquele dia, a fábrica passou a ser administrada por eles – sem a mínima presença de patrão ou coisa que o valha.

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Isso ocorreu após um conturbado ciclo de greves, iniciado no ano anterior, nas fábricas da Cipla e Interfíbra. Ambas faziam parte do mesmo complexo produtivo que agregava a Flaskô, cujo dono era Luis Batschauer. Motivados pelos atrasos salariais e pelas constantes ameaças de demissão em massa, os trabalhadores ocupam essas fábricas e passam a administrá-las, a partir de mecanismos verdadeiramente democráticos, tais como o conselho de fábrica e assembleia geral.

DSC_0391Nesses dez anos, a Flaskô empenha-se sobremaneira em se desviar das ingerências jurídicas do Estado e da burguesia. Trata-se de um enorme esforço de resistência, que não é capaz de esgotar o ânimo de seus operários. Em 2007, por exemplo, depois de uma intervenção, articulada pela justiça federal e assegurada por mais de 150 policiais fortemente armados, onde o conselho de fábrica foi sumariamente demitido, os trabalhadores retomam o comando da produção, expulsando o interventor.

Outros são os casos de ingerência do Estado e da burguesia sobre a Flaskô, como o bloqueio das matérias primas vindas da Venezuela em 2006, sob rumores direitistas de um suposto pacto entre a fábrica e Hugo Chaves, e as tentativas em pilhar as máquinas da fábrica, por meio de leilões. Em todos esses momentos, seus trabalhadores resistiram, utilizando-se, sobretudo, do apoio recebido por movimentos sociais e dos meios legais. Por sua eficiência, funcionalidade e legitimidade, a Flaskô sempre acabou revertendo decisões jurídicas desfavoráveis.

Mas não só de resistência é feita sua história. Ao longo de 10 anos, a Flaskô também promoveu muitos avanços em seu histórico de lutas. Em 2005, apoiou a ocupação da maior parte de seu terreno por moradores sem teto, que em seguida se transformou na Vila Operária e Popular, contribuindo assim com o movimento por moradia. E em 2008 reduziu a jornada de trabalho de 40 para 30 horas, sem corte salarial. Além disso, seu espaço é utilizado por uma programação cultural, em que a comunidade local e visitantes de todos os cantos participam ativamente. De forma geral, a própria gestão de trabalhadores, baseada no conselho de fábrica e na assembleia geral, representa em si um grande avanço.

Atualmente, 64 pessoas trabalham na fábrica. 80% delas estão lá há mais de dez anos, ou seja, antes de sua ocupação. Cerca de 10% desse total é composto por mulheres. Como pode ser visto no próprio site comercial da fábrica (http://www.flaskoembalagens.com.br/), a Flaskô atualmente atua “na fabricação e comercialização de produtos e serviços direcionados especificamente as indústrias do ramos, Químicos em Geral, Empresas Processadoras de Produtos de Origem Animal, Alimentícios, Agrotóxicos, Agropecuários, Ceras e Óleos Vegetais para Lavouras e Tratamento de Frutas, Curtumes e Tratamentos de Couros entre outras.”

A FÁBRICA

_DSC0083A organização da Flaskô está dividida em setores clássicos da indústria, como o setor de Recursos Humanos, da Administração e do chão de fábrica, mas o grande diferencial é o setor de mobilização, que visa convocar as Assembleias mensais, produzir material informativo e organizar os trabalhadores. Outro elemento inovador que se destaca da velha organização fabril é o “achatamento salarial”, onde os salários mais baixos são elevados ao piso remuneratório dos trabalhadores do chão de fábrica, enquanto os salários mais altos – normalmente dos setores administrativos – são rebaixados ao teto salarial do mesmo chão. Além disso, os trabalhadores têm a liberdade de transitar por todos os setores da Flaskô, ainda que não haja revezamento total das funções – algo ideal dentro de uma proposta de autogestão do trabalho.

Após discutirmos o histórico e a atual situação da Flaskô, em nossa visita à fábrica – juntamente com moradores do Sítio São Francisco -, fomos conhecer sua produção, onde bombonas, galões e tambores são fabricados. Um dos aspectos mais surpreendentes é a ausência de uma linha produtiva fordista, em que, dentre outros fatores, o tempo de trabalho e a produtividade dos operários são controlados pela maquinaria. Ao contrário, pudemos observar que cada máquina é operada por uma ou duas pessoas, o que garante às mesmas o controle sobre processo produtivo. A figura do supervisor, característica do modelo taylorista de organização fabril, que pretende aprofundar ainda mais o controle sobre tempo de trabalho e a produtividade dos trabalhadores, além de inibir as eventuais mobilizações políticas destes, isso não existe na Flaskô. Portanto, os operários de lá seguem seu próprio ritmo, não estando de forma nenhuma submetidos à coação ou à coerção dos agentes do patronato.

_DSC0140Outro importante diferencial da Flaskô em relação às fábricas patronais é a redução da jornada de trabalho que promoveu. Diminuiu as 44 horas semanais previstas pela CLT para 30 horas. Quando há necessidade em se aumentar a produtividade, os sábados são utilizados, a partir de uma escala de revezamento. A base salarial dos trabalhadores da Flaskô tem como referência a base salarial estipulada pelo Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo. Por isso, aqueles estão inseridos na categoria dos trabalhadores químicos, a partir das diretrizes da CLT. A relação com esta legislação é mantida para a segurança dos trabalhadores, tendo em vista que a propriedade da fábrica ainda é oficialmente do patrão, que a abandonou em 2003. Neste sentido, apesar de estarem organizados de forma autogestionária e serem os reais “donos” da fábrica – pois estão controlando a produção e ocupando o espaço da fábrica -, são caracterizados pela lei como trabalhadores assalariados.

_DSC0176Quanto aos lucros da Flaskô, a maior parte de seus resultados retorna à produção enquanto capital – como ocorre nas fábricas tradicionais -, que é destinado ao pagamento dos salários, das dívidas e dos impostos, à compra das matérias primas, e, ressaltemos, à manutenção preventiva das máquinas. Em relação a estas, é de fundamental importância que tenham vida útil bastante extensa, pois, além de garantirem a qualidade dos produtos, são de difícil reposição e não podem quebrar sem que haja um grande problema produtivo, dada a atual situação financeira da fábrica(1). Além dos reinvestimentos corriqueiros, boa parte dos lucros é destinada ao setor de mobilização, como a Fábrica de Cultura e Esporte. Pudemos observar na fábrica a existência de uma mini biblioteca, a rádio luta, uma pista de skate, tênis-de-mesa, material informativo e artístico.

_DSC0153Atualmente, os trabalhadores da Flaskô fazem uma campanha pela aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 257/2012, para que a fábrica seja declarada de interesse social, e pela alteração do art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Seria o primeiro passo rumo à estatização, luta que ocorre devido ao fato de que a Flaskô ainda é propriedade do patronato, apesar de estar sob a direção dos operários. E, enquanto propriedade privada, seu futuro permanece incerto, sobretudo, por conta de suas dívidas para com o Governo Federal, que chegam à ordem dos R$ 125 milhões.(2) Os trabalhadores também reivindicam a manutenção de seu controle sobre a fábrica, mesmo após a sua estatização. (Mais informações sobre a campanha de estatização podem ser encontradas em: http://www.estatizaraflasko.org.br)

Outras bandeiras de luta dos trabalhadores organizados da Flaskô se dão no campo da habitação e da educação. Como foi dito, em 2005, cerca de 300 famílias de Sumaré ocuparam o terreno ao lado da fábrica que estava abandonado. Essa ocupação ganhou apoio dos trabalhadores da Flaskô, onde muitos deles também se mudaram para a Vila Operária e Popular. Atualmente, o setor de mobilização da fábrica pretende desenvolver um projeto voltado à Educação de Jovens e Adultos (EJA) e um cursinho comunitário nas dependências da fábrica, no sentido de avançar também na luta pelo direito à educação._DSC0211

Todos esses motivos fazem da Flaskô uma espécie de ilha, em meio a um oceano hostil, que é o domínio da burguesia sobre os meios de produção. Sua luta, portanto, é a mesma luta de todo trabalhador. Sua bandeira é legítima e deve ser erguida como afronta ao capitalismo e como um passo importante na construção de uma sociedade igualitária.

Do dia 9 a 16 de junho, será realizado um festival para comemorar os 10 anos de ocupação da fábrica, além da Conferência Internacional “Flaskô 10 anos – trabalho e cultura, a luta continua!”. A programação completa do festival pode ser conferida no site da Fábrica Ocupada Flaskô:

http://www.fabricasocupadas.org.br/site/index.php/noticias/177-destaque/3345-programacao-festival-10-anos-de-fabrica-ocupada-flasko

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1 Um dos principais problemas manifestados pela ausência do patrão, é a rejeição do sistema financeiro à Flaskô, o que a impossibilita de adquirir empréstimos. Quer dizer, no caso da quebra de uma de suas máquinas, não poderá supri-la por meio de qualquer financiamento.
2 Herança do patronato.

Fotos: Adriano Abreu

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